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Engajamento das famílias é essencial na recomposição de aprendizagens

Diante das defasagens educacionais deixadas pelo ensino remoto durante a pandemia, as escolas devem fortalecer os laços com os pais e responsáveis.


Depois de dois anos marcados pela pandemia da Covid-19 e, consequentemente, por dificuldades no processo de ensino e aprendizagem, professores têm percebido uma série de impactos que o período deixou nos estudantes. Uma pesquisa do Alicerce Educação aponta que, depois de passarem pelas experiências de ensino remoto e híbrido, alunos de 5 a 13 anos apresentam cerca de 2,2 anos de defasagem escolar em Matemática, 1,9 ano em leitura e 1,7 ano em redação. 

É por isso que, atualmente, os educadores têm direcionado esforços na recomposição de aprendizagens. O conceito se refere a uma reorganização da aprendizagem que, por conta da pandemia, não ocorreu de forma adequada. Nesse sentido, recompor não se trata apenas de recuperar conteúdos, mas traçar estratégias de acolhimento, flexibilização curricular, avaliação diagnóstica e acompanhamento. 

Maura Barbosa, coordenadora pedagógica da Comunidade Educativa CEDAC e especialista em gestão escolar, explica que este é um momento de avaliar o cenário e entender quais alunos tiveram mais ou menos oportunidades de aprendizagem durante a pandemia. “Sempre existiram esses descompassos, mas agora isso está mais evidente. Precisamos pensar em como vamos nos reorganizar daqui para frente. É necessário refletir sobre como os professores irão planejar atividades para atender essa demanda que está posta.” 

A especialista diz que o processo de recompor aprendizagens não pode ser um esforço para que a escola volte a ser como era antes da pandemia, mas para que ela seja ainda melhor. Para isso, é preciso o envolvimento de diversos atores: não apenas de alunos, gestores, professores e secretarias de Educação, mas também das famílias dos estudantes.

Foco no diálogo para manter a proximidade conquistada durante a pandemia

Maura lembra que, durante o período de ensino remoto, a atuação das famílias foi essencial para que o trabalho da escola desse certo, já que as casas se transformaram, de certa forma, em salas de aula. Agora, no momento de recompor aprendizagens, é importante que essa parceria seja mantida e que os laços sejam estreitados. “Se a gente já sabia da importância da interação e da articulação entre escola e família antes da pandemia, hoje isso está ainda mais forte.” 

O envolvimento das famílias se dá desde o acompanhamento da frequência à escola e das aprendizagens das crianças e dos adolescentes até uma maior participação nas atividades escolares, o que incentiva os alunos a se dedicarem mais aos estudos. Márcia Aparecida Baldini, dirigente municipal de Educação de Cascavel (PR) e presidente da seccional do Paraná da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), afirma que a escola é responsável por estabelecer uma linha de diálogo com os familiares e apontar em quais aspectos eles podem auxiliar na recomposição das aprendizagens. 

Esse diálogo pode se dar de forma coletiva, por meio de reuniões e assembleias, e também individualmente, para tratar de casos específicos de alunos que apresentam alguma defasagem maior ou que não estão comparecendo às aulas. “Neste momento, é importante essa união da família e da escola. A escola vai trabalhar e vai pedir também o auxílio dos pais para que estejam mais atentos a essa criança, porque a gente sabe da importância do acompanhamento. É essencial que os pais se atentem a problemas emocionais decorrentes do período de pandemia e que acompanhem as atividades que vão para casa. Sozinha, a escola não consegue [fazer isso]. A escola tem um plano pedagógico e deve expor isso aos pais”, orienta. 

Responsabilidade de todos para a aprendizagem avançar

Durante todo o processo de ensino e aprendizagem, sobretudo nesses esforços de recomposição, é necessário que escola e família tenham em mente qual é a responsabilidade de cada uma. É por isso que a Escola Municipal de Educação Integral Professor Waldir Garcia, em Manaus (AM), que atende alunos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, tem promovido reuniões com os familiares. Nesses encontros, os educadores enfatizam a importância do incentivo aos alunos dentro de casa. 

“Eu disse para eles que há responsabilidades que são exclusivamente da família. A gente não pode buscar o aluno em casa, a família tem que trazê-lo. A escola também não pode levá-lo ao médico nem fazer um acompanhamento da tarefa de casa, da alimentação, do horário de sono e do uso das telas na hora de dormir, por exemplo. Há uma série de situações das quais não temos controle, pois são responsabilidades da família”, relata a professora Danielle Pinto Coelho. Ela leciona na escola há 13 anos e atualmente trabalha com alunos com deficiência e como formadora das educadoras de 4º e 5º anos. 

A escola Waldir Garcia é referência na relação com as famílias, o que ajudou bastante durante a pandemia. Por lá, os alunos cujos pais e responsáveis já eram engajados nas atividades escolares passaram pelo período turbulento sem grandes defasagens. O principal desafio se iniciou neste ano, quando a unidade recebeu diversos alunos novos. “Os novos estudantes não estão acostumados a trabalhar com protagonismo, e as famílias não estão habituadas a participar da vida escolar dos filhos. Eles têm o costume de deixar o filho na escola, ir embora e voltar para pegar”, observa Lúcia Cristina Cortez, diretora da unidade.

Antes mesmo das aulas começarem, a escola reuniu todos os familiares em uma roda de conversa para explicar como funciona o trabalho em equipe, já bastante conhecido pelos pais que têm filhos matriculados na instituição há alguns anos. “A educação precisa ser compartilhada e, por isso, a gente corresponsabiliza todos. A família é uma peça fundamental nesse processo de ensino e aprendizagem”, afirma a diretora. 

Na sala de aula, Danielle conta que foi possível perceber o impacto dessas reuniões, a começar pela frequência dos alunos: depois de uma das conversas, as salas passaram a ficar lotadas. “Quanto mais próxima a família está da escola, mais a gente consegue promover as potencialidades de cada criança”, comenta.

Participação ativa e ajuda recíproca

Na escola Waldir Garcia, professores e gestão acreditam que a importância das famílias vai muito além da atuação em casa. Os familiares se envolvem nas atividades escolares o que, de acordo com Danielle e Lúcia, ajuda na autoestima das crianças, impactando também na aprendizagem. 

O envolvimento da comunidade acontece de diferentes formas: familiares organizam oficinas para os estudantes, ajudam a realizar serviços na escola, como jardinagem e consertos, e atuam como tutores das crianças. Nos momentos em que os professores estão em formação continuada, quem assume as salas de aula são os próprios pais e responsáveis dos alunos, que promovem oficinas sobre os mais diversos temas. “É exatamente essa valorização das famílias e de todos os seus conhecimentos e experiências de vida que fazem a diferença. Eles conseguem perceber que são importantes e pertencentes ao espaço educativo”, destaca Lúcia. 

No que diz respeito à recomposição das aprendizagens, uma das estratégias adotadas pela escola são as tutorias. Qualquer funcionário ou familiar dos estudantes pode ser um tutor, independente da formação. São eles que auxiliam as crianças, realizando um acompanhamento individual das aprendizagens. “O pai pode contribuir em acompanhar não só o seu filho, mas aquelas crianças que têm dificuldade. O tutor fica em contato direto com os educadores, analisa a frequência do tutorado, visita a sua casa, vai à escola. Assim, ele adquire a confiança da criança, e ela se abre para aquilo que não consegue falar com o educador”, relata a diretora. Ela diz que as tutorias ajudam a encontrar pontos de defasagens e formas de solucioná-los. 

Além de contar com a ajuda das famílias, a escola também costuma auxiliá-las, a fim de estabelecer uma relação recíproca, trazendo-as para mais perto ainda. É comum que educadores e gestão se mobilizem para encontrar atendimento médico especializado para alunos com dificuldades específicas, promover doações a famílias mais carentes, permitindo que as crianças tenham o mínimo necessário para permanecerem na escola, e até aprender novas línguas a fim de acolher alunos estrangeiros, o que é comum por lá. “A gente tenta ajudar e facilitar ao máximo a vida dos pais, principalmente aqueles que mais precisam”, comenta Danielle. 

Nesse esforço de aproximação, os professores também se organizam para atender os pais nos momentos em que estes podem, sempre negociando horários, além de manterem contato frequente com todos via WhatsApp. “Ninguém fica para trás”, afirma a professora. 

Outro aspecto marcante da Waldir Garcia é que os portões estão sempre abertos para os pais entrarem na instituição quando quiserem, seja para passar o dia na escola, para acompanhar uma aula ou para realizar um serviço.  

Envolvimento desde o início das atividades

Essa visão de acolhimento e derrubada de muros invisíveis também é compartilhada pela Escola Municipal da Transparência, em Cascavel (PR), que atende em período integral alunos de Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Lá, as portas também ficam sempre abertas. 

A escola, que nasceu em 2020, em plena pandemia, precisou contar com a ajuda dos familiares dos estudantes para se estabelecer. Assim, a parceria foi crescendo junto com a unidade. Os grupos de WhatsApp, antes a única forma de comunicação, foram mantidos mesmo com a volta do ensino presencial, já que se tornaram essenciais para a comunicação diária com as famílias. 

Ana Paula Delgado Corrêa, professora da turma de Infantil 5, conta que o aplicativo é o canal usado por pais e responsáveis parar tirar dúvidas sobre atividades e também por onde ela envia sugestões e pedidos. Ela relata que a grande maioria dos familiares é bastante participativa. “Eles percebem o impacto da pandemia na aprendizagem das crianças, então fazem de tudo para superar as dificuldades. Fica evidente que as crianças cujas famílias participam menos possuem mais dificuldades.” 

Além dos grupos de WhatsApp, ela comenta que a aproximação com os familiares se dá no portão da escola e nas dinâmicas bimestrais, quando são organizadas apresentações e exposições de atividades das crianças. “São formas da família perceber esses avanços e também interagir.”

O papel dos pais e responsáveis na recomposição das aprendizagens

Elizangela Cristina Zaniolo, diretora da unidade, conta que a escola reorganizou os alunos em turmas para recompor as aprendizagens, mas que o papel dos familiares é essencial nesse processo. Toda vez que os professores encontram uma dificuldade específica em um aluno, os pais são chamados para uma conversa, que visa estabelecer uma parceria ainda mais forte com a escola. “Se a gente identifica que a criança precisa de atendimento psicológico ou médico, por exemplo, contamos com a ajuda dos pais, que têm sido extremamente parceiros.”                                                                      

Além disso, ela diz que orienta os professores a enviarem nos grupos de WhatsApp atividades que os alunos realizaram na escola. “Isso gera uma satisfação aos familiares, que se reflete em parceria”. Outra estratégia é deixar as portas da escola abertas, permitindo que os pais tenham liberdade de horários para agendar reuniões individuais com os professores. A escola também promove assembleias e apresentações das práticas que as crianças aprendem na unidade, como artes cênicas e marciais. 

“Se as famílias não nos ajudam no atendimento dos alunos que estão apresentando muita dificuldade, no desenvolvimento das tarefas de casa e no acompanhamento do aprendizado, a gente não avança. O déficit causado pela pandemia nas crianças é enorme, então sem a ajuda deles é praticamente impossível o trabalho de recomposição de aprendizagens”, reforça Elizangela. 

Tanto em Manaus quanto em Cascavel, professoras e gestoras afirmam que deve ser um esforço de toda a equipe escolar o trabalho de aproximação com as famílias para garantir o envolvimento delas na recomposição das aprendizagens. Enquanto as gestoras ficam à frente dos encontros coletivos com os pais, é função das educadoras acompanhar o cotidiano dos estudantes e das famílias, analisando a presença dos alunos e a participação dos pais e responsáveis no acompanhamento das aprendizagens, informando assistente social e gestão em casos mais específicos.

Orientações claras sobre a importância do acompanhamento 

Diante da reorganização que as escolas estão realizando para recompor as aprendizagens dos estudantes, é essencial que as famílias estejam cientes das mudanças pedagógicas, orienta a especialista Maura. Para ela, as escolas devem informar os pais das estratégias que serão adotadas e explicar os papéis que eles devem assumir nesse processo. 

É o que tem feito Danielle, professora da escola Waldir Garcia. A unidade está realizando um projeto de leitura para ajudar os alunos a superarem as dificuldades, e eles estão levando livros para casa aos finais de semana. Em reunião, ela orientou os pais a respeito de como deve se dar essa leitura, envolvendo toda a família. Ela pediu, por exemplo, para as crianças lerem para os membros da casa, que depois podem comentar a história. 

Maura afirma que essas orientações, por mais básicas que possam parecer, devem ser expostas em reuniões de pais e responsáveis. “Tem uma mudança dos conteúdos das reuniões atualmente. Não dá para fazer exigências. A gente tem que agradecer esses pais, ajudá-los a compreender a importância do acompanhamento escolar e explicar de que forma eles podem fazer isso. Precisamos também comunicar o que estamos fazendo, quais são as nossas dificuldades e as soluções que buscamos”, aconselha a especialista. Ela lembra que é importante agendar reuniões em horários favoráveis para o comparecimento dos familiares. 

Márcia, da Undime do Paraná, reforça que é essencial organizar essas reuniões separadas por séries, para realizar um atendimento mais específico. Além disso, ela diz que a comunicação seja clara no sentido de que as crianças com maiores dificuldades devem ser ajudadas pelas famílias e não penalizadas. 

“As escolas podem buscar parcerias com a Saúde e com a Assistência Social, promovendo palestras para os pais. É muito importante que esses pais recebam não apenas a orientação pedagógica, mas também a de outro profissional sobre a importância de auxiliar os filhos”, ressalta. “Muitas vezes, a escola chama o pai para conversar, fala que o filho está com dificuldade, e essa criança é penalizada. O caminho deve ser o do diálogo e, para isso, deve haver orientação promovida pela escola.” 

Segundo Márcia e Maura, esse trabalho de aproximação das famílias deve acontecer em todas as etapas do ensino, embora seja comum os pais se afastarem da escola conforme os filhos vão crescendo. Nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, segmentos em que os pais costumam acreditar que os filhos são independentes, é essencial que as escolas se esforcem para restabelecer parcerias e orientar os familiares a respeito de como eles podem auxiliar os estudantes no processo de recomposição das aprendizagens. 



Fonte: https://novaescola.org.br/conteudo/21201/engajamento-das-familias-e-essencial-na-recomposicao-de-aprendizagens